A Doutrina do Inferno na Teologia Católica: Origem, Desenvolvimento e Influência no ProtestantismoRESUMO
Este trabalho analisa
o desenvolvimento da doutrina do
inferno no cristianismo, com ênfase na Igreja Católica, com
o objetivo final de compreender
o pensamento atual sobre esta doutrina.
A compreensã
o do assunto ajudará na abordagem que
o Adventista deverá usar no estudo deste tema com um outro cristã
o que nã
o crê,
como os Adventistas, que nã
o existirá eternamente um lago de fogo a consumir os seres humanos que nã
o buscaram a salvaçã
o em Cristo.
Ao longo do trabalho verificar-se-á
como a doutrina do
inferno foi utilizada para incutir medo nos fiéis, desde os primórdios da Igreja Católica, numa tentativa de manter
o povo sob um regime de pavor e desespero quanto ao pensamento de poder ser condenado à pena eterna do fogo, caso discordasse ou rejeitasse os ensinamentos da Igreja de Roma.
O estudo também abordará a penetraçã
o do ensinamento católico sobre
o inferno dentro da Igreja Protestante,
o que faz desta doutrina um dos pontos comuns mais defendidos e aceitos pela cristandade em todo
o mundo.
INTRODUÇÃ
OUma das doutrinas mais comuns entre os cristãos, tanto católicos quanto protestantes,
é a da existência de um
inferno de fogo que consumirá eternamente aqueles que desprezaram a graça de Deus, concedida gratuitamente ao pecador arrependido. Mas de onde surgiu esta idéia?
Como a doutrina do
inferno se introduziu na Igreja Cristã?
Como a doutrina se desenvolveu nos anos obscuros da teologia da Idade Média? A resposta a estas perguntas pode trazer mais luz sobre
o porquê de
o inferno ser um tema tã
o comum e gozar de tã
o ampla aceitaçã
o dentro do cristianismo.
Justificativa
O tema foi escolhido devido à necessidade de se conhecer melhor esta que
é uma doutrina tã
o comum no meio cristã
o – a de que os ímpios passarã
o a eternidade no fogo do
inferno. Compreendendo
como ela surgiu no cristianismo, seu desenvolvimento e
como foi utilizada pela Igreja Católica, que dominou
o pensamento cristã
o por longo tempo,
o estudante da Bíblia, especialmente
o instrutor bíblico, poderá entender
como a concepçã
o do
inferno está enraizada na mente do cristã
o do século XXI.
Objetivos
Conhecer
o surgimento, desenvolvimento e fundamentaçã
o teológica da doutrina do
inferno, em particular dentro da Igreja Católica. Também será apresentada uma breve contra-argumentaçã
o ao pensamento Católico acerca da existência literal do
inferno de fogo eterno.
Metodologia
O procedimento metodológico utilizado no presente trabalho foi uma breve pesquisa bibliográfica nas obras disponíveis no acervo da biblioteca do SALTIAENE, bem
como em material disponível na Internet.
Estruturaçã
o do Estudo
O trabalho está estruturado em 4 capítulos, a saber:
o primeiro trata dos antecedentes históricos que podem ter dado origem ao pensamento cristã
o sobre
o inferno, especialmente na concepçã
o grega e judaica;
o segundo capítulo aborda a doutrina do
inferno dentro do Catolicismo;
o terceiro capítulo explanará a presença desta doutrina no Protestantismo; e
o quarto capítulo mostrará uma breve análise sobre
o que a Bíblia realmente ensina sobre
o inferno, numa tentativa de contraargumentar
o pensamento Católico e Protestante sobre
o tema. Ao final serã
o apresentadas as conclusões do trabalho.
CAPÍTULO I
ANTECEDENTES HISTÓRICO-FILOSÓFICOSAntes de iniciar
o estudo sobre a doutrina do
inferno dentro do catolicismo propriamente dito, faz-se necessária uma rápida descriçã
o dos antecedentes históricos que formaram
o pano de fundo para
o pensamento católico sobre
o inferno.
Gregos
Na mitologia grega havia uma divindade que era a responsável pelo mundo subterrâneo, considerado
o destino final dos mortos. Seu nome era Hades.1 Um outro nome para Hades era Plutã
o, simbolizando que ele também era
o dono de todas as riquezas que existem sobre a terra.2 Embora Hades apareça poucas vezes nas lendas gregas, ele
é bastante mencionado, citando-se
como algumas de suas principais participações “
o rapto de Perséfone,
o 12º trabalho de Héracles, e
o de Orfeus e Eurídice”.3
Primariamente,
o reino de Hades era localizado no extremo ocidente, além do “rio Oceano” (segundo a Ilíada, de Homero). Posteriormente
é que ele foi situado abaixo da superfície terrestre, passando a inspirar alguns séculos depois
o pensamento cristã
o ocidental e asiático acerca do
inferno.4
Segundo a mitologia grega, a trajetória de um defunto após ser sepultado era descrita
como segue:
Quando alguém morria, era levado pelo deus Hermes até
o Hades, onde bebia a água do Rio Lete, que trazia
o esquecimento da vida terrena, e atravessava
o rio Estige em uma barca, conduzida pelo severo Caronte.
Como pagamento,
o barqueiro recebia um óbolo, a moeda de menor valor, que os parentes colocavam na boca do falecido.
O morto atravessava entã
o os portões monumentais, eternamente guardados por Cérbero, cã
o de três cabeças e cauda de serpente.
O feroz guardiã
o permitia a entrada de todos, porém nã
o deixava ninguém sair. Finalmente, diante de Hades e Perséfone,
o defunto enfrentava a sentença dos severos e justíssimos juízes dos mortos – Minos, Radamante e Éaco. Segundo seus méritos, era conduzido aos aprazíveis Campos Elíseos ou aos tormentos eternos.5
Percebe-se, entã
o, que a mitologia grega fazia uso constante da figura do Hades, posteriormente, introduzido e desenvolvido na teologia católica e cristã
como um todo,
como se verá adiante.
Judeus
Inicialmente, a teologia hebraica, no Pentateuco, nã
o contemplava nenhum tipo de vida posterior, nem felicidade para os bons, nenhum tormento para os maus. Nos Salmos e Profetas, no entanto, aparece a esperança de imortalidade no pensamento hebraico. Mas sã
o nos livros pseudepígrafos e apócrifos que esta esperança desenvolveu-se de forma mais acentuada.6 Segundo Champlin, no Antigo Testamento,
o pensamento hebreu assemelha-se, em alguns pontos, ao grego quando refere-se ao estado da morte:
[...]Originalmente, nã
o era um lugar onde habitavam seres conscientes, sofrendo tormentos. As almas eram concebidas muito mais em termos da moderna noçã
o dos fantasmas, [eram] entidades destituídas de mentalidade, que ficariam a flutuar ao léu, mas sem qualquer identidade ou existência real. Gradualmente, porém, às almas do hades foi sendo atribuída a qualidade da consciência e, juntamente com isso, as idéias de recompensas para almas boas e de castigo para as más.7
Entre os hebreus,
o local equivalente ao hades grego chamava-se sheol, 8 que por sua vez possuía dois compartimentos: um para os bons e outro para maus;
o inferno seria, entã
o,
o compartimento dos maus.9
A teologia hebraica também apresentou ensinamentos sobre um suposto lugar de destino além da morte. Bruce declara que “do séc. II a.C. em diante, a idéia do Éden
como um lugar de bênçã
o, e do Gehinom,
como um lugar de castigo intenso para os maus, fixou-se na imaginaçã
o popular”.10 Para os fariseus,
o fogo de Gehinom nã
o é sempre puramente penal, no caso dos ímpios; Shamai, por exemplo, dizia que aqueles que tinham méritos e deméritos em equilíbrio, tinham de purgar seus pecados nas chamas do Gehinom, para só depois entrar no paraíso.11 Esta
é uma concepçã
o defendida por alguns judeus da atualidade,
como se vê na seguinte citaçã
o:
O Gehinom, traduzido
como Inferno ou Purgatório,
é um dos estágios de purificaçã
o e expiaçã
o para as almas que, ao se despedirem deste mundo, nã
o estã
o aptas a adentrar
o Paraíso.
O judaísmo, à luz da Chassidut, nã
o considera
o castigo
como um objetivo por si. É apenas um meio para purificar a alma, preparando-a para um nível superior.12
Os israelitas, de modo geral, preocupavam-se mais com
o tempo presente, e estarem preparados e aptos para entrarem no mundo vindouro. Sua concepçã
o acerca do
inferno e destino dos condenados, após a morte, nã
o influenciou a concepçã
o católica, tanto quanto aconteceu com a mitologia grega e pagã.13
CAPÍTULO II
A DOUTRINA DENTRO DO CATOLICISMODefiniçã
o de “
Inferno”
Segundo
o Catecismo,
o inferno é o “estado de auto-exclusã
o definitiva da comunhã
o com Deus e com os bem-aventurados”.14
O inferno também pode ser definido
como o “distanciamento eterno de Deus”.15
O “
inferno”
é também considerado por alguns
como sendo uma traduçã
o do termo grego “hades”,16 que designava a morada dos mortos,
como visto anteriormente.
Hodge assinala que, para os romanistas,
o inferno é definido
como sendo “
o lugar ou estado no qual os anjos apóstatas, e os homens que morrem em um estado de pecado mortal, ou,
como também se expressa, da impenitência final, sofrem para sempre
o castigo de seus pecados.17
Quem
é Enviado ao
Inferno?
Na seçã
o anterior, foi exposta a definiçã
o clássica católica sobre
o inferno, que
é o local ou estado para onde vã
o as almas dos que morrem com pecados mortais. Segundo
o Catecismo, “
o ensinamento da Igreja afirma a existência e a eternidade do
inferno. As almas dos que morrem em estado de pecado mortal descem imediatamente após a morte aos infernos, onde sofrem as penas do
Inferno,
o fogo eterno”.18
O Catecismo continua declarando que nã
o há predestinaçã
o da parte de Deus para que ninguém vá para
o Inferno. É necessário, por parte do pecador, uma “aversã
o voluntária a Deus (um pecado mortal) e persistir nela até
o fim”.19
Tendo em vista que a Igreja Católica crê na existência do
inferno como sendo
o destino para aqueles que cometem pecado mortal,20 serã
o descritos a seguir estes tais pecados.
Pecados Mortais
O catolicismo faz uma diferença entre aqueles pecados que sã
o punidos com a morte eterna no fogo do
inferno, os “mortais”, e aqueles que sã
o penalizados de forma mais “branda”, podendo livrar
o transgressor do lago de fogo. Para os católicos, conforme a gravidade, os pecados recebem distinçã
o de penas diferentes, inclusive na Bíblia (1Jo 5:16-17).21
Os pecados chamados “mortais” sã
o os que destroem a caridade no coraçã
o do homem por uma infraçã
o grave da lei de Deus. Este pecado “desvia
o homem de
Deus”.22 Já
o pecado classificado
como “venial”, deixa subsistir ainda a caridade, embora esta seja ofendida e ferida.23
O pecado mortal exige no pecador uma nova iniciativa da misericórdia de Deus e uma conversã
o do coraçã
o, “que se realiza no sacramento da Reconciliaçã
o”. Para Tomaz de Aquino, por exemplo, devem ser classificados
como “mortais” os
pecados de blasfêmia, perjúrio, homicídio, adultério, etc.24 Esta classificaçã
o é feita, basicamente, sob três condições, que devem ocorrer simultaneamente, para que
o pecado seja classificado
como “mortal”, e leve
o pecador à condenaçã
o eterna do
inferno. Sã
o elas:25
1. Ter
como objeto uma matéria grave;26
2. É cometido com plena consciência;
3. É cometido deliberadamente.
Por acarretar a perda da caridade, e conseqüente privaçã
o do estado de graça,
o pecador que comete tal pecado estará condenado ao
inferno eterno, caso nã
o seja recuperado
o estado de graça mediante
o arrependimento e
o perdã
o de Deus.27
O pecado venial deliberado, e que fica sem arrependimento, dispõe progressivamente
o pecador a cometer um pecado mortal, por isso, no pensamento de Agostinho, os fiéis nã
o devem acumular pecados “leves”, para que, juntos, nã
o se tornem em grande peso.28
Origem da Doutrina na Igreja Católica
Desde os escritos dos Pais da Igreja encontram-se descrições acerca do
inferno.29 Para Orígenes, por exemplo, “as torturas aí sofridas [sã
o definidas]
como sendo provocadas pela própria consciência do pecador”.30 Outros Pais também fizeram mençã
o à existência do
inferno através de suas obras: Inácio, Justino,31 Athenágoras, Irineu, Tertuliano.32
O Credo de Atanásio já declarava que “os maus serã
o julgados para toda a eternidade”,33 ou seja, todos os que praticaram
o mau conscientemente cairã
o no fogo eterno. Em 543 AD. encontra-se a declaraçã
o concebida na reuniã
o de Constantinopla, para combater
o ensino dos misericordes, e ratificada pelo papa Virgílio:
Se alguém afirmar ou crer que
o sofrimento e
o castigo dos demônios e dos ímpios estã
o limitados no tempo e que algum dia terã
o fim e que haverá também reconciliaçã
o universal com os demônios e com os ímpios, que este seja condenado.34
O IV Concílio de Latrã
o (1215) também expressa a crença da puniçã
o eterna, 35 bem
como o I Concílio de Liã
o (1245), ao afirmar que “quem morre sem penitência em estado de pecado mortal sem dúvida será torturado eternamente nas brasas do
inferno eterno”.36 Declarações semelhantes a estas sã
o encontradas no II Concílio de Liã
o, no Concílio de Florença, na carta do papa Inocêncio IV ao bispo de Túsculum (escrita em 06/03/1254), no Credo do imperador bizantino Miguel VIII e na Constituiçã
o “Benedictus Deus” do papa Bento XII (1334-1342).37 As diferentes formas de torturas infernais já sã
o descritas no Catecismo editado após
o Concílio de Trento (divulgado em 1566). 38
Até
o Catecismo editado em Roma no ano de 1930,
o tema do
inferno como local de fogo real ainda nã
o era considerado um “dogma” pela Igreja Católica,
como pode ser visto na declaraçã
o a seguir: “É teologicamente certo, apesar de nã
o ser “de fide”, isto
é , apesar de nã
o ser dogma, que
o fogo com que os condenados do
inferno sã
o torturados seja fogo real ou corporal, nã
o apenas fogo no sentido figurado”.39
Como se vê, aos poucos a doutrina do
inferno foi sendo aprofundada e tomando forma de aceitaçã
o universal entre a cristandade.40 É clara a intençã
o dos teólogos de concretizar na mente das pessoas a idéia de um
inferno literal,
como destino para aqueles que morressem desligados da salvaçã
o. Segundo Johnson,
Os escritores pastorais eram muito mais específicos a respeito do
Inferno que do Céu; escreviam
como se tivessem estado lá. Os três grandes doutrinadores medievais – Agostinho, Pedro Lombardo e Aquino – insistiam em que as penas infernais eram tanto físicas quanto mentais e espirituais, e fogo de verdade tomava parte dos tormentos.41
Vê-se, entã
o, que a doutrina do
inferno desenvolveu-se paulatinamente, desde
o início do catolicismo romano, e foi cada vez ganhando mais força e adeptos ao longo da Idade Média, chegando até os dias atuais.42
Descrições do
InfernoApós verificar que a doutrina do
inferno começou a ser alicerçada desde os primórdios da Igreja Cristã, demonstrar-se-á nesta seçã
o as descrições utilizadas pelos defensores da doutrina, para tentar “clarificar” na mente dos fiéis os tormentos que os aguardariam, caso fossem destinados ao tormento eterno no fogo do
inferno. Tais declarações relativas aos horríveis tormentos pelos quais haveriam de passar os condenados ao
inferno demonstram a clara intençã
o de fazer desta doutrina uma arma para a manutençã
o da ordem e obediência na sociedade.43 Temia-se que se esta doutrina viesse a ser esquecida ou amenizada,
o que ocorreu em séculos posteriores (ao menos parcialmente), seria mais difícil controlar os níveis de moralidade e decência.44
Segundo
o pensamento geral,
o inferno era a concretizaçã
o de toda e qualquer dor e sofrimento que a imaginaçã
o humana pudesse conceber.45 Jerônimo, por exemplo, comparava
o inferno com uma “imensa prensa de lagar”.46 Agostinho dizia que
o inferno era habitado por animais ferozes e comedores de carne, que faziam em pedaços os humanos, de forma lenta e dolorosa.47
O tormento de passar a eternidade sob tã
o terríveis torturas desenvolveu-se cada vez mais ao longo da Idade Média, chegando até os séculos seguintes.
O francês Jacques Bridaine (1701-1767), por exemplo, pregava que a eternidade do
inferno poderia ser imaginada da seguinte maneira: “Quando os condenados indagavam as horas, uma voz respondia: ‘eternidade’. Nã
o havia relógios no
inferno, nada além de um tique-taque interminável”.48
Na Igreja Católica, em 1732, com Afonso de Ligório, surge a Ordem dos Redentoristas, que eram especialistas em sermões sobre
o fogo do
inferno, e até
mesmo se ofereciam para retiros e missões quaresmais em paróquias católicas comuns.49 Em seu livro As Verdades Eternas, Ligório dá uma descriçã
o assustadora de
como seria este destino certo para os pecadores impenitentes:
O miserável infeliz ficará cercado de fogo
como lenha em uma fornalha. Encontrará um abismo de fogo abaixo, um abismo acima e um abismo de cada lado. Se tocar algo, se vir ou respirar, tocará, verá e respirará apenas fogo. Estará no fogo
como um peixe na água. Tal fogo nã
o somente cercará
o condenado, mas penetrará em seus intestinos para atormentá-lo. Seu corpo será todo incendiado, de modo que os intestinos dentro dele vã
o arder, seu coraçã
o arderá em seu peito, seu cérebro em sua cabeça, seu sangue em suas veias, até
o tutano em seus ossos; todo enjeitado por Deus tornar-se-á, ele mesmo, uma fornalha em chamas.50
Em 1807, os redentoristas reimprimem a obra de Pinamonti,
O Inferno Aberto aos Cristãos, acrescentando algumas horrendas gravuras xilografadas.
O reverendo Joseph Furniss (também da Ordem) preparou também uma série de livros infantis, com
o inferno ocupando posiçã
o de destaque.51
O sofrimento pelo qual passariam eternamente os condenados ao
inferno era até mesmo visto
como “um dos prazeres do Céu”, para aqueles que alcançassem
o paraíso.52 Essa idéia, defendida por Aquino, foi se desenvolvendo enormemente ao longo do tempo, e chegou a ser um dos pontos comuns entre a teologia católica e calvinista.53 Os pregadores escoceses asseguravam que aqueles que fossem enviados para os sofrimentos intermináveis do
inferno realmente lá deveriam estar, pois assim se manifestava verdadeiramente a justiça de Deus. Thomas Boston declarou:
Deus nã
o Se apiedará deles [os condenados do
inferno], mas rirá de sua calamidade.
O grupo de justos no Céu irá todo se regozijar com a execuçã
o do julgamento de Deus, e cantará enquanto
o estrangulamento instaurar-se para sempre.54
Willian King (1702), também defendia esta idéia,
como se vê:
A bondade e a felicidade dos abençoados [no Céu] será confirmada e aprofundada por reflexões surgindo naturalmente dessa visã
o da desgraça sofrida por alguns,
o que parece ser um bom motivo para a criaçã
o desses seres que enfrentarã
o o tormento final, bem
como para
o prosseguimento de sua existência miserável.55
A Enciclopédia Católica declara que dentre as características do
inferno encontra-se a existência de “graus” de sofrimento, aumentados de acordo com
o “demérito” cometido pelo condenado.56 Apesar de alguns escritores do passado terem advogado
o pensamento de que existem “momentos passageiros de descanso” no
inferno,57 algo
como “intervalos” para os condenados descansarem dos sofrimentos, este nunca foi um ensinamento oficial da Igreja Católica, condenado desde Aquino.58
Alguns santos da Igreja Católica também declararam ter recebido visões do
inferno; por exemplo, Irmã Faustina (santa católica):
Hoje fui dirigida por um anjo aos abismos do
Inferno. É um lugar de grande tortura;
como terrivelmente grande e extenso
é! As espécies de torturas eu vi: A primeira tortura que constitui
o Inferno é a perda de Deus; a segunda
é o remorso perpétuo da consciência; a terceira
é que aquela condiçã
o nunca mudará; a quarta
é o fogo que penetrará na alma sem destruí-la – um sofrimento terrível,
como é um fogo puramente espiritual, aceso pela ira de Deus; a quinta tortura
é uma escuridã
o ininterrupta e um terrível e sufocante odor. Apesar da escuridã
o, os demônios e as almas dos condenados vêem todos os males, os próprios e dos outros; a sexta tortura
é a companhia constante de Satanás… Há [também] torturas especiais dos sentidos. Cada alma sofre sofrimentos indescritíveis, terríveis, relacionados à maneira com que se pecou. Há cavernas e fossas de tortura, onde uma forma de agonia difere da outra… Escrevo isto no comando de Deus, de modo que nenhuma alma pode achar uma desculpa por dizer que nã
o há
inferno, nem que ninguém jamais esteve lá e por isso nã
o se pode dizer
como ele
é. 59
Escritores seculares, influenciados pela crença desenvolvida na Idade Média, também se aventuraram na tentativa de descrever
o inferno. Um dos mais conhecidos
é Dante Alighieri, que escreveu “A Divina Comédia”. A geografia do mundo e do reino dos mortos descritos por Dante refletem as crenças vigentes na Idade Média.60 A viagem, feita por Dante e Virgílio, narrada pelo poema acontece na semana santa de 1300. Dante era, entã
o, um atuante político de Florença.
O poema faz referência a fatos históricos que aconteceram na época, projetando-se para
o futuro através das “profecias” feitas pelas almas videntes.61
As concepções acerca do
inferno foram sendo desenvolvidas com
o passar dos anos, e já no séc. XVIII esta estrutura de amedrontamento e terror começou a mudar seu papel.
O fogo infernal passou a ser um destino apenas para as classes baixas e médias, principalmente na pregaçã
o protestante.62 A tradicional doutrina do destino eterno no fogo de sofrimentos continuou a ser ensinada e pregada apenas para estas classes menos “esclarecidas” da sociedade. Os católicos, porém, continuaram a serem ensinados que quem duvidasse do
inferno teria ele mesmo
o fogo
como seu destino.63
Aqueles que aventuraram-se em tentar “amenizar” ou “esfriar”
o fogo do
inferno sofreram grande reprovaçã
o por parte da Igreja.
O Padre Faber, por exemplo, “deplorava toda e qualquer tendência de pregar
o fogo do
inferno para as classes
inferiores, mas nã
o para as mais abastadas”. 64 Dentre os que tiveram que rever sua posiçã
o, estavam
o zoólogo e professor Saint George Mivart, que em 1892 sugeriu que os sofrimentos dos condenados talvez fossem “melhorados aos poucos”,
o que foi considerado inadmissível.65
Por fim, vê-se na declaraçã
o de J. Chorón, em que tornou-se
o ensinamento do
inferno como um lago eterno de fogo a consumir os impenitentes:
O além, graças aos esforços da Igreja, tornou-se fonte de terror em vez de consolaçã
o. Em vez de recompensa, muita gente só podia esperar castigo. A fim de garantir uma existência beatífica no outro mundo e nã
o ser condenado eternamente a torturas inconcebíveis… era necessário levar uma vida que a maioria das pessoas nã
o podia suportar, exceto alguns ascetas ultradevotos.66
O Pensamento Católico Atual
Após se verificar que
o conceito católico acerca do
inferno foi sendo desenvolvido e ampliado ao longo dos anos, fica uma dúvida:
O que pensa e ensina a Igreja Católica do século XXI sobre
o tema do
inferno?
Anteriormente neste trabalho já foi declarada a posiçã
o do Catecismo Oficial da Igreja Católica, que em sua recente ediçã
o continua a advogar
o ensino da existência do
inferno como o destino dos impenitentes.
O papa Joã
o Paulo II, na obra Cruzando
o Limiar da Esperança, faz a seguintes indagaçã
o: “Pode Deus, que amou tanto
o homem, permitir que
o homem que
O rejeita seja condenado a tormento eterno?”.67
O papa, entã
o, continua ele mesmo respondendo à pergunta, com a afirmaçã
o de que Deus nã
o é só misericórdia, mas também
é justiça, considerando
o homem
como responsável pelas suas escolhas de pecado, e conseqüentemente sofrendo a puniçã
o.
D. Estêvã
o Bettencourt, respondendo a perguntas sobre
o inferno, citado no site “Veritatis Splendor”, também afirma que nã
o se pode questionar a misericórdia de Deus, contrastando-a com
o ensinamento sobre
o inferno, pois Deus “respeita a Sua criatura e nã
o lhe tira a liberdade que lhe deu para dignificá-la”.68 Sua intençã
o com a declaraçã
o é dizer que Deus nã
o pode ser responsabilizado pela existência do
inferno, porque
o homem mesmo
é quem escolhe este destino, e Deus apenas aceita esta escolha do homem.
Basta uma pesquisa rápida na internet (modernamente
o meio de comunicaçã
o mais eficaz para disseminar ensinamentos e ideologias), nos sites reconhecidamente católicos (extra-oficiais), para se verificar que
o pensamento sobre
o inferno continua enraizado na mente e nas declarações da Igreja. Um destes sites, por exemplo, transcrevendo um artigo de John Vennari, declara que
o tema do
inferno faz parte das “revelações” de Fátima à humanidade, ocorridas em 1917.69 Na ocasiã
o, “Nossa Senhora” teria confirmado a doutrina do
inferno, assegurando que este existe,
é um lugar real, e que há almas de pessoas que já estã
o confinadas lá. Segundo
o artigo, a visã
o do
inferno que as três crianças de Fátima tiveram, foi
o que lhes deu “a graça e a coragem de fazerem sacrifícios heróicos para a salvaçã
o das almas”.70
O inferno continua, portanto, “vivo”, real e presente na mente católica atual, pois está na própria base da teologia de medo que por tanto tempo foi a principal arma para manter as pessoas subjugadas sob
o manto da lealdade à Igreja de Roma.
Fundamentaçã
o Bíblica Para a Teologia Católica do
InfernoA doutrina do
inferno,
como explanada até aqui, teve um desenvolvimento gradual e progressivo. Mas qual a base teológica para a Igreja Católica defender
o fogo eterno para os que morrem em pecado mortal? Que textos bíblicos sã
o citados em defesa desta doutrina? Na presente seçã
o far-se-á uma rápida exposiçã
o da argumentaçã
o católica em defesa da existência real do
inferno eterno.
No Antigo Testamento, utiliza-se a palavra Sheol (que na LXX foi traduzida para Hades) para designar
o reino dos mortos, tanto bons quanto maus (cf. Núm.16:30). Porém,
o Novo Testamento sempre utiliza Hades (na ótica católica) para designar
o local de suplício dos condenados.71 A Enciclopédia Católica defende que
o uso que Jesus adotou para
o termo Geena, demonstra que Sua intençã
o era referir-se ao “
inferno”
como realmente
o lugar de condenaçã
o dos ímpios após a morte.72
A Igreja Católica crê que Deus dotou
o ser humano de livre arbítrio, dando a este a opçã
o de escolher servi-Lo ou nã
o.73 Se
o pecador escolhe nã
o amar a Deus, comete
o que se chama de “pecado”. Aqueles que morrem no chamado “pecado mortal”, descrito anteriormente neste capítulo, terã
o como destino
o inferno, que
é “um estado de auto-exclusã
o definitiva da comunhã
o com Deus e com os bemaventurados”.74 A Igreja ensina que Jesus falou muitas vezes sobre
o fogo que nã
o se apaga, definindo-
o como estando destinado aos impenitentes.75 Portanto, imediatamente após a morte, os que assim morrerem em pecado mortal descem ao
inferno, para sofrer as penas do fogo eterno (cf. Mat. 25:41). Porém, Deus apela para que todos escolham amá-Lo, e assim serem livrados da condenaçã
o eterna (cf. Mat.7:13-14).76
Sabendo deste trágico fim para aqueles que insistem em se desviar da graça e benevolência de Deus, diariamente, a Igreja deve suplicar a Sua misericórdia, para que os fiéis venham a ser salvos (cf. 2Pe 3:9).77
PRESENÇA DA DOUTRINA NO PROTESTANTISMO
No capítulo anterior, desenvolveu-se a trajetória do pensamento católico sobre a doutrina do
inferno, considerado
o local de castigo eterno para os pecadores impenitentes.
O presente capítulo vai descrever sucintamente qual
é o pensamento de algumas das mais tradicionais igrejas protestantes atuais acerca desta doutrina, para se proceder uma visã
o de
como a doutrina do
inferno está presente na grande maioria das confissões de fé no cristianismo contemporâneo.78
Dwight Pentecost analisa em sua obra sobre escatologia bíblica que “
o destino dos perdidos
é um lugar no lago de fogo”, que sublinha
o “eterno caráter de retribuiçã
o” dos perdidos. 79 Ele cita Chafer, que destaca que quase todas as expressões referentes ao futuro
inferno de fogo “saem dos lábios de Cristo”, e Jesus “sozinho revelou quase tudo
o que se sabe sobre esse lugar de retribuiçã
o”.80
O Centro Apologético Cristã
o de Pesquisas, mantido por um grupo de pastores evangélicos de Sã
o José do Rio Preto, SP, afirma em sua declaraçã
o de fé a crença de que “aos salvos está destinado
o gozo eterno no céu ao lado de Deus, bem
como aos perdidos à maldiçã
o eterna no lago de fogo por toda a eternidade”81
Na Declaraçã
o Doutrinária da Convençã
o Batista Brasileira,
o item XIX expressa que “os ímpios condenados e destinados ao
inferno lá sofrerã
o o castigo eterno, separados de Deus”, enquanto que “os justos, com os corpos glorificados, receberã
o seus galardões e habitarã
o para sempre no céu, com
o Senhor”.82
A Confissã
o de Fé de Westminster, da Igreja Presbiteriana, declara que
As almas dos justos, sendo entã
o aperfeiçoadas na santidade, sã
o recebidas no mais alto dos céus onde vêem a face de Deus em luz e glória, esperando a plena redençã
o dos seus corpos; e as almas dos ímpios sã
o lançadas no
inferno, onde ficarã
o, em tormentos e em trevas espessas, reservadas para
o juízo do grande dia final. 83
A Igreja Evangélica Assembléia de Deus, no site da sua congregaçã
o matriz em Imperatriz/MA, afirma crer “no juízo vindouro que recompensará os fiéis e condenará os infiéis; E na vida eterna de gozo e felicidade para os fiéis e de tristeza e tormento para os infiéis”.84 Também a Igreja Evangélica Luterana do Brasil assim se expressa em sua confissã
o de fé, acerca das “últimas coisas”:
Cremos, ensinamos e confessamos que Deus determinou um dia, no qual julgará
o mundo com justiça. Ninguém sabe quando será este dia. Naquele dia, Jesus voltará visível e glorioso. Céu e terra se desfarã
o. Todos serã
o julgados por Jesus. Aos incrédulos, Jesus dirá: Apartai- vos de mim, para
o fogo eterno, preparado para
o diabo e seus seguidores. Aos fiéis, que terã
o um corpo glorioso, dirá: Vinde, benditos de meu Pai e entrai no gozo de vosso Senhor que vos está preparado desde a fundaçã
o do mundo. Entã
o serã
o criados os novos céus e a nova terra, nos quais habitará justiça.85
Vê-se através destas declarações que a concepçã
o sobre
o destino final dos pecadores nã
o salvos, continua sendo no meio protestante a mesma da Igreja Católica, ou seja, os salvos irã
o para
o gozo eterno com Deus, no Céu, e os perdidos sofrerã
o eternamente a puniçã
o por nã
o terem atendido aos reclamos da graça de Cristo. Esta puniçã
o,
como pôde ser verificada, será impreterivelmente no tormento eterno do fogo do
inferno, segundo a cristandade em geral.
CAPÍTULO IV
CRÍTICA AO ENSINAMENTO CATÓLICO SOBRE O INFERNOAté aqui, verificou-se
o que a Igreja Católica, bem
como a Protestante em geral, tem ensinado sobre
o destino do pecador após a morte, ou seja,
o fogo eterno do
inferno literal.
Porém, este nã
o parece ser
o verdadeiro ensinamento bíblico, uma vez que a Bíblia,
como um todo, sem pegar textos isolados de seu contexto hermenêutico, nã
o sanciona a existência de tal “lago de fogo eterno”. Portanto,
o presente capítulo deste trabalho analisará as falhas da fundamentaçã
o teológica utilizada pelas Igrejas Católica e Protestante para a doutrina do
inferno.86
A grande questã
o é:
Como é possível que
o Deus, que tanto amou
o mundo que enviou Seu Filho unigênito para salvar pecadores, pode também ser um Deus que
tortura as pessoas (mesmo
o pior dos pecadores) para sempre, indefinidamente? É possível considerar Deus
como um Deus de amor e justiça, e ao mesmo tempo crer que Ele permitirá
o tormento dos pecadores para sempre no fogo do
inferno? Este paradoxo inaceitável tem levado diversos estudiosos 87 a re-examinarem
o ensino bíblico quanto ao
inferno e
o castigo final.
O Conceito do Inferno como Aniquilamento Final do Ímpio
Esta crença no aniquilamento dos ímpios está baseada em quatro considerações bíblicas:1) A morte
como castigo do pecado –
O aniquilamento final dos pecadores impenitentes
é indicado, em primeiro lugar, pelo princípio bíblico fundamental que
o castigo final do pecado
é a morte: “A alma que pecar morrerá” (Ezeq. 18:4, 20); “
O salário do pecado
é a morte” (Rom. 6:23). A puniçã
o do pecado compreende nã
o somente a primeira morte, a qual todos experimentam
como resultado do pecado de Adã
o, mas também
o que a Bíblia chama a segunda morte (Apoc. 20:14; 21:
, que
é a morte final e irreversível a ser sofrida pelos pecadores impenitentes. Isso significa que
o salário final do pecado nã
o é o tormento eterno, mas morte permanente.
A Bíblia ensina que a morte
é a cessaçã
o da vida. Nã
o fosse pela segurança da ressurreiçã
o (1Cor. 15:18), a morte que
o ser humano experimenta seria a terminaçã
o da existência. É a ressurreiçã
o que converte a morte de ser
o fim da vida em ser um sono temporário.88
Mas nã
o há ressurreiçã
o para a segunda morte, porque aqueles que a sofrem sã
o consumidos no “lago de fogo” (Apoc. 20:14). Este será
o aniquilamento final.
2)
O vocabulário sobre a destruiçã
o dos ímpios – A segunda forte razã
o para se crer no aniquilamento dos perdidos no julgamento final
é o rico vocabulário de
destruiçã
o usado na Bíblia para descrever
o fim dos ímpios. Segundo Basil Atkinson,
o Velho Testamento usa mais de 25 substantivos e verbos para descrever a destruiçã
o final dos ímpios.89
Diversos salmos descrevem a destruiçã
o final dos ímpios com imagens dramáticas (por exemplo: 1:3-6; 2:9-12; 11:1-7; 34:8-22; 58:6-10; 69:22-28; 145:17, 20). No Salmo 37, por exemplo, lê-se que os ímpios logo “murcharã
o como a verdura” (v. 2); eles “serã
o desarraigados…e…nã
o existirã
o” (vv. 9, 10); eles “perecerã
o…e em fumo se desfarã
o” (v. 20); os transgressores “serã
o a uma
destruídos” (v. 38).
O Salmo 1 contrasta
o caminho do justo com
o dos ímpios. Dos últimos ele diz que “nã
o subsistirã
o no juízo” (v. 5); mas serã
o “
como a moinha que
o vento espalha” (v. 4); “
o caminho dos ímpios perecerá” (v. 6). No Salmo 145, Davi afirma: “
O Senhor guarda a todos que
o amam; mas todos os ímpios serã
o destruídos” (v. 20). Esta amostra de referências sobre a destruiçã
o final dos ímpios está em perfeita harmonia com
o ensinamento do resto das Escrituras, acerca do final aniquilamento dos que rejeitaram a salvaçã
o ofertada por Deus.
Os profetas freqüentemente anunciam a destruiçã
o final dos ímpios em conjunçã
o com
o dia escatológico do Senhor. Isaías proclama que os “transgressores e os pecadores serã
o juntamente destruídos, e os que deixarem
o Senhor serã
o consumidos” (Isa. 1:28).90
A última página do Velho Testamento provê um contraste impressionante entre
o destino dos crentes e
o dos incrédulos. Sobre aqueles que temem
o Senhor, “nascerá
o sol da justiça e salvaçã
o trará debaixo das suas asas” (Malaq. 4:1). Mas para os incrédulos
o dia do Senhor “os abrasará… de sorte que nã
o lhes deixará nem raiz nem ramo”.
O Novo Testamento segue de perto
o Velho ao descrever
o fim dos ímpios com palavras e imagens que denotam aniquilamento total. Jesus comparou a destruiçã
o total dos ímpios a coisas
como o joio atado em molhos para serem queimados (Mat. 13:30, 40),
o peixe ruim que
é lançado fora (Mat. 13:48), as plantas daninhas que serã
o arrancadas (Mat. 15:13), a árvore sem fruto que será cortada (Luc.13:7), entre outros.91 Todas estas ilustrações descrevem de modo gráfico a destruiçã
o final dos ímpios.
O contraste entre
o destino dos salvos e
o dos perdidos
é um de vida versus destruiçã
o.
Bacchiocchi ressalta que aqueles que apelam às referências de Cristo ao
inferno ou fogo do
inferno (gehenna) para apoiar sua crença num tormento eterno, deixam de reconhecer um ponto importante, a saber: a referência de Cristo a gehenna nã
o indica que
o inferno seja um lugar de tormento infindo.
O que
é eterno ou inextinguível nã
o é o castigo mas
o fogo que,
como no caso de Sodoma e Gomorra, causa a destruiçã
o completa e permanente dos ímpios, uma condiçã
o que dura para sempre. John Stott, por exemplo, assinala:
O fogo mesmo
é chamado “eterno” e “inextinguível”, mas seria muito estranho se aquilo que nele fosse jogado se demonstrasse indestrutível. Esperaríamos
o oposto: seria consumido para sempre, nã
o atormentado para sempre. Segue-se que
é o fumo (evidência de que
o fogo efetuou seu trabalho) que “sobe para todo
o sempre” (Apocalipse 14:11; ver 10:3)”.92
A declaraçã
o de Cristo de que os ímpios “irã
o para
o tormento eterno, mas os justos para a vida eterna” (Mat. 25:46)
é geralmente considerada
como prova do
sofrimento eterno e consciente dos ímpios. Esta interpretaçã
o ignora a diferença entre puniçã
o eterna e
o ato de punir eternamente.
O termo grego aionios (“eterno”) literalmente significa “aquilo que dura um período”, e freqüentemente refere à permanência do resultado e nã
o à continuaçã
o de um processo.93 Por exemplo, Judas 7 diz que Sodoma e Gomorra sofreram “a pena do fogo eterno”. É evidente que
o fogo que destruiu as duas cidades
é eterno, nã
o por causa de sua duraçã
o mas por causa de seus resultados permanentes.
Outro exemplo se encontra em 2Tessal. 1:9, onde Paulo, falando daqueles que rejeitam
o evangelho, diz: “Os quais, por castigo, padecerã
o eterna perdiçã
o, ante a face do Senhor e a glória do Seu poder”. É evidente que a destruiçã
o dos ímpios nã
o pode ser eterna em sua duraçã
o, porque
é difícil imaginar um processo de destruiçã
o eterno e inconclusivo. Destruiçã
o pressupõe aniquilamento. A destruiçã
o dos ímpios
é eterna, nã
o porque
o processo de destruiçã
o continua para sempre, mas porque os resultados sã
o permanentes.
Os judeus freqüentemente usavam a frase “segunda morte” (cf. Apoc. 20) para descrever a morte final e irreversível. Exemplos numerosos podem ser achados no Targum, a traduçã
o e interpretaçã
o em aramaico do Velho Testamento. Por exemplo,
o Targum sobre Isa. 65:6 diz: “Seu castigo será em Gehenna onde
o fogo arde todo
o dia. Eis, está escrito diante de mim: ‘Nã
o lhes darei descanso durante [sua] vida mas lhes darei
o castigo de sua transgressã
o e entregarei seus corpos à segunda morte’”.94
Para os salvos, a ressurreiçã
o marca
o galardã
o de outra vida mais elevada, mas para os perdidos marca a retribuiçã
o de uma segunda morte que
é final.
Como nã
o há mais morte para os remidos (Apoc. 21:4), assim nã
o há mais vida para os
perdidos (Apoc. 21:
. A “segunda morte”, entã
o,
é a morte final e irreversível. Interpretar a frase de outro modo,
como um tormento eterno e consciente ou separaçã
o de Deus, nega
o significado bíblico da morte
como uma cessaçã
o de vida.
3) As implicações morais do tormento eterno - Uma terceira razã
o para crer
no aniquilamento final dos perdidos
é a implicaçã
o moral inaceitável da doutrina do tormento eterno. A noçã
o de que Deus deliberadamente tortura pecadores através dos séculos sem fim da eternidade
é totalmente incompatível com a revelaçã
o bíblica de Deus
como amor infinito. Um Deus que inflige tortura infinda a Suas criaturas, nã
o importa quã
o pecadoras foram, nã
o pode ser
o Pai de amor que Jesus Cristo revelou em Sua vida e ministério (Joã
o 3:16).
Tem Deus duas faces? É Ele infinitamente misericordioso de um lado e insaciavelmente cruel de outro? Pode Ele amar os pecadores de tal modo que enviou Seu Filho para salvá-los, e ao mesmo tempo odiar os pecadores impenitentes tanto que os submete a um tormento cruel sem fim? Pode-se legitimamente louvar a Deus por Sua bondade, se Ele atormenta os pecadores através dos séculos da eternidade? A intuiçã
o moral que Deus plantou na consciência do homem nã
o pode aceitar a crueldade de uma divindade que sujeita pecadores a tormento infindo. A justiça divina nã
o poderia jamais exigir a penalidade infinita de dor eterna por causa de pecados finitos. Stott
é um dos que questionam esta “retribuiçã
o” divina ao pecado:
Nã
o haveria, entã
o, uma desproporçã
o séria entre pecados conscientemente cometidos no tempo e tormento conscientemente sofrido através da eternidade? Nã
o minimizo a gravidade da pecado
como rebeliã
o contra Deus nosso Criador, mas questiono se “tormento eterno consciente”
é compatível com a revelaçã
o bíblica da justiça divina.95
4) As implicações cosmológicas do tormento eterno - Uma razã
o final para crer no aniquilamento, e conseqüentemente na nã
o existência de um
inferno de fogo literal e eterno dos perdidos,
é que tormento eterno pressupõe um dualismo cósmico eterno. Céu e
inferno, felicidade e dor, bem e mal continuariam a existir para sempre lado a lado. É impossível reconciliar esta opiniã
o com a visã
o profética da Nova Terra na qual nã
o mais “haverá morte, nem pranto, nem clamor, porque já as primeiras coisas sã
o passadas” (Apoc. 21:4).
Como poderiam pranto e dor serem esquecidos se a agonia e angústia dos perdidos fossem aspectos permanentes da nova ordem? A presença de incontáveis milhões sofrendo para sempre este tormento, mesmo se fosse bem longe do arraial dos santos, serviria apenas para destruir a paz e a felicidade do novo mundo. A nova criaçã
o resultaria defeituosa desde
o primeiro dia, visto que os pecadores permaneceriam
como uma realidade eterna no universo de Deus.
O propósito do plano da salvaçã
o é desarraigar definitivamente a presença de pecado e pecadores deste mundo. Somente se os pecadores, Satanás e
o mal forem afinal consumidos no lago de fogo e extintos na segunda morte (Apoc. 2:11; 20:6, 14; 21:
,
é que verdadeiramente poder-se-á dizer que a missã
o redentora de Cristo foi concluída. Um tormento eterno lançaria uma sombra permanente sobre a nova Criaçã
o.
CONCLUSÕESDe todas as doutrinas do cristianismo, uma que está presente em praticamente todas as denominações
é a da existência real de um
inferno de fogo literal e eterno. Desta surgem vários outros conceitos e ensinamentos, dentre os quais está a aceitaçã
o de que existe um
inferno de fogo a arder por toda a eternidade, e que será
o merecido destino para aqueles que, nesta vida, insistiram em rejeitar os reclamos da graça que Cristo oferece ao pecador arrependido.
A aceitaçã
o da existência deste local de destino para os condenados já estava presente antes mesmo do surgimento da Igreja Cristã, pois os gregos a desenvolveram fortemente, e os judeus também passaram a crer que pudesse existir
o inferno como um lugar real e literal. Este pensamento foi desenvolvendo-se na mente das pessoas, e quando a Igreja Cristã começou a formar seus credos, vê-se que a crença no
inferno já fazia parte das doutrinas professadas. Os Pais da Igreja ensinaram a existência do
inferno, e a Igreja Católica recebeu, entã
o, este legado doutrinário sobre
o futuro estado do homem após a morte.
À medida que a Igreja Católica começou a tomar forma e desenvolver-se geográfica e politicamente,
o ensinamento sobre
o inferno tornou-se uma grande “arma” para amedrontar as pessoas que viessem a divergir ou rejeitar
o pensamento e ditames da Igreja, pois tal “herege” seria excomungado e ficaria, portanto, destinado a “arder eternamente nas chamas do
inferno”, caso nã
o se retratasse e retornasse ao seio da Igreja.
Ao longo dos anos, cada vez mais a doutrina do
inferno ganhou força e desenvolveu-se em sua forma e detalhes. A Igreja passou, na Idade Média, a pregar de forma vívida sobre todos os possíveis tormentos aos quais os ímpios estariam sujeitos se fossem para
o inferno. Muitos pregadores, poetas, escritores, teólogos e até mesmo os leigos, esforçaram-se para fazer com que as imagens do
inferno impressionassem profundamente as pessoas, pois estas eram levadas a imaginarem detalhadamente as horríveis torturas que encontrariam no fogo eterno.
Isto serviu grandemente para que a Igreja, e mesmo
o Estado, mantivessem sob um certo controle a populaçã
o Medieval, pois poucos eram os que se “atreviam” a questionar a autoridade eclesiástica ou temporal, temendo receber
como puniçã
o o impedimento de participar dos sacramentos católicos, ficando, assim, impossibilitado de receber a graça que
o livraria do
inferno após a morte. As heresias, as revoltas, os crimes e delitos estiveram “controlados” neste período, pois
o pavor que as pessoas tinham de irem para
o inferno, tã
o detalhadamente prefigurado pela Igreja, as levava a conterem-se na prática do pecado. Posteriormente, quando a autoridade da Igreja começou a ser questionada e a sua força declinava, perdendo espaç
o para os pensamentos iluministas que começavam a surgir após
o séc. XVI, as autoridades chegaram mesmo a temer um possível aumento elevado no número de crimes, em decorrência de as pessoas começarem a perder
o “medo” pelo
inferno. Em face disto, leis mais duras passaram a ser formuladas, numa tentativa de preencher a lacuna que ora se abria pelo enfraquecimento do medo do
inferno.
Mas,
como se vê até
hoje, a doutrina do
inferno nã
o morreu. Ela tomou novas formas e explicações, mas continua a ser ardorosamente defendida por quase todas as confissões religiosas cristãs – católicas e protestantes. Estes últimos, herdaram da Igreja Católica a doutrina do estado do homem na morte, e continuaram a crer na existência literal e eterna do
inferno de fogo. Apesar de avançarem em algumas doutrinas, os protestantes em geral nã
o rejeitaram a doutrina do
inferno, e ainda
hoje ela
é muito aceita, pregada e defendida pelos apologetas modernos, que procuram basear sua crença em declarações bíblicas vetero e neo-testamentárias.
O estudo revelou
o quanto a doutrina do
inferno foi utilizada
como ferramenta de disseminaçã
o do medo, trazendo assim
o controle para as mãos do único “poder” que poderia livrar
o povo do
inferno – a Igreja Católica. Conclui-se através da análise bibliográfica acerca do tema que a “certeza” de sua existência literal contribuiu grandemente para
o fortalecimento do poder da Igreja, servindo para cumprir
o propósito de manter subjugado qualquer movimento “herético”, ou insubordinatório.
Hoje a Igreja Católica já nã
o prega com tanta ênfase e detalhes sobre
o inferno, mas isto nã
o significa que esta doutrina ainda nã
o possa ser considerada
o fundamento da fé de muitos fiéis que nã
o compreendem a mensagem libertadora da graça, e mantém-se unidos à Igreja apenas pelo medo de perder a salvaçã
o e irem para
o inferno.
Algumas denominações do protestantismo, por sua vez, também utilizam claramente a doutrina do
inferno como um meio de atrair as pessoas para sua mensagem, especialmente aqueles que têm dificuldade em serem conquistados pela mensagem de amor do evangelho; estes sã
o os que mais se impressionam com
o ensino de que poderã
o arder eternamente no fogo, dentro outras possíveis torturas, caso rejeitem a mensagem e nã
o professem a aceitaçã
o da salvaçã
o em Cristo. É claramente observável nos meios de comunicaçã
o em massa, nos livros, filmes, contos infantis, romances de ficçã
o, etc.,
o quanto a existência de um
inferno de fogo eterno está arraigada na mente da sociedade moderna.
Para aqueles que nã
o crêem na existência deste local literal e eterno, também fica, além da compreensã
o proporcionada pelo presente trabalho de que a doutrina do
inferno está profundamente consolidada na mentalidade comum cristã, uma argumentaçã
o que tenta refutar
o pensamento de que Deus punirá pelos séculos infindáveis da eternidade aqueles que Lhe forem infiéis. Isto está em franca desarmonia com os ensinamentos evangélicos, especialmente a revelaçã
o de um Deus de amor, na Pessoa de Jesus Cristo.
Ao final deste trabalho, tem-se um bom momento para relembrar as palavras do divino Mestre, que veio para salvar e buscar
o pecador, através de Sua mensagem de fé, esperança e amor: “Eu sou a ressurreiçã
o e a vida. Quem crê em Mim, ainda que morra, viverá; e todo
o que vive e crê em Mim nã
o morrerá, eternamente. Crês isto?” (Joã
o 11:25-26).
Ps:Embora seja um estudo de um blog adventista,concordo com ele em gênero,número e grau!
http://setimodia.wordpress.com/2012/02/08/a-doutrina-do-
inferno-na-teologia-catolica-origem-desenvolvimento-e-influencia-no-protestantismo/